segunda-feira, agosto 04, 2025

GLORIA FUERTES, SARAH DUNANT, SAMIRA MAKHMALBAF & JORNADAS DE PASTORIL

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som do álbum Lady on a Bike (Nonesuch Records Inc, 2025), da dupla pop cinematográfico eletrônico Ringdown, formada pela copmpositora, violinista e cantora estadunidense Caroline Shaw & pela compositora, cantora e multi-instrumentista estadunidense Danni Lee Parpan, celebrando as possibilidades do amor, de fazer música de novas maneiras, de criar conexão e comunidade em um mundo separatista. Veja mais aqui.

 

Tirar proveito pra se lascar depois... – Sabe aquela do... Ah, sem enrolação: Zé Vicário era infeliz de nascença e, ao seu próprio juízo, sua vida servia só pra mangação. E isso conta de sua vesgueira – Tá olhando pra onde, hem? E tanto de apelidá-lo Trêsóim -, razão pela qual usava um ridículo tapa olho para disfarçar. E não era só, outras mais não poupava o vulgo com diversidade de alcunhas, como as suas visíveis orelhas de abano desiguais – Oxe! Uma é maior que a outra? Além de prógnato, buchudo e coxo, avalie. Era tratado como um horrendo patinho feio que sequer poderia jamais ser um cisne ou ganso, nunca! Ocrídio, mesmo. Nem adolescia direito quando os pais morreram. Primeiro a mãe que sempre achava graça nas suas trapalhadas, sempre às gaitadas, e, um dia, com uma gargalhada estrondosa depois da refeição numa festa, viu-se tão insultado de desejá-la morta ali mesmo. Pronto: ela engasgou-se numa indigestão, de defuntar entalada na hora, carregando remorso pro resto da vida. Já o pai, pouco tempo depois, sucumbira atingido por um raio globular de restar cinzas aos ventos. Hem, hem. Sozinho se virou na vida e foi arrumando o que fazer, seguia os passos paternos: foi ajudante de pedreiro, depois cobrador de ônibus, derrubador de árvores frondosas, vendedor de chicletes na entrada do cinema, afora outros afazeres ocasionais levados no bico. Assim foi amadurecendo a misturar sonhos e desejos com o seu costumeiro repasto: arroz com carne seca e feijão, chovesse ou fizesse sol. E com um café quente e forte. Quando puxavam conversa contava uma nova versão da mesma história – Como foi mesmo, hem? -, agora verdadeira! E era uma diferente da outra, desdizendo-se, a ponto de ser acometido duma asfixia toda vez que se via contra a parede: Abre o jogo, vai! Coagido, cagava-se todo e caía na pinoia. E em cada aperto arriava todo esfolado pelas febres, cólicas, coceiras, convulsões, que redundavam em complicações respiratórias: Aperta a venta desse cara prele morrer logo, vai! Salvo pelo gongo, ele se perdia ruminando e era o que mais o consumia, porque se via inutilizado, pouco pra si, a dolorosa impotência odiosa que relutava, ocasião em que preferiria jactar-se com superpoderes e rechaçar suas vulnerabilidades, vingando-se de Deus e do mundo de tanta humilhação. Foi então o dia em que sonhou com o pai revelando uma botija embaixo do abacateiro do quintal. Tô cagado da sorte! Foi ver a casa onde nascera e estava mudada, não havia mais quintal nem nada, gente estranha e mal-encarada ocupando. Perdeu a viagem e, para não voltar arrastando as malas, achou melhor dar um passeio pelo pântano atrás do arruado, revivia a infância. Foi lá que mal sentou-se na beirada do alicerce, ficou matutando: um formigueiro acunhou nos seus guardados, dele sair levantando terra aos pinotes. Foi aí que viu umas coisas estranhas saltando nas suas pisadas. Amiudou a coisa: eram argolas, braceletes, brincos, abotoaduras, trancelins, pulseiras, gargantilhas, tiaras, tudo coisa fina ali catado brotando do chão: Ou tão nascendo assim ou é da botija de pai! Foi remexendo, pegando e empurrando nos bolsos tudo que pudesse e, carregado de não ter mais onde enfiar, olhou pros lados e partiu esquivo, na pontinha dos pés. Chegou na sua casa e jogou tudo sobre a cama, escondido. Surpreendeu-se com um anel. Ah! Era o sonho se tornando real, ele, conforme seu pai, o tal Giges da Lídia, um pastor do anel mágico numa caverna e, por meio dele, tornou-se invisível e ascendeu ao poder. Chegou minha hora! Era só colocá-lo no dedo e virar o aro para dentro, pronto! U-lalá! Meteu no anelar e foi virando, nada. E agora? Aí correu pro espelho: só a roupa aparecia, mais nada. Ficou nu e nem ele mesmo se via: era agora o Homem Invisível que sonhava tornar-se Garabombo. Finalmente vou lavar a jega! E saiu vingando-se de quem podia. Como tudo era vendável e tinha sempre um preço acima do seu poder aquisitivo, deu de levar pra casa o que via e queria. Mostrou-se arrojado, imbuído dum rancor de ultrajado e saiu revidando tudo que sofrera por toda existência. Aprontou das muitas até cansar. Quando deu fé havia perdido a identidade e a própria imagem. Quem sou eu? Viu-se envolto num vazio, a titubear, no meio de uma insônia medonha e com a insatisfação além dos limites. Aí perdeu a graça: foi o que sobrou de sua alvoroçada euforia. O anel falhou, parece, e viu-se desmascarado. E o pior: sem saber ele levantara uma gigantesca lebre envolvendo-se numa roleta russa, na qual se viu acossado por uma cilada armada por metralhadoras giratórias em que cada bala, de cada uma delas, vinham inexoráveis petardos de prepotentes agronegociadores, da gang fardada, do esquadrão da morte, do narcotráfico neopentec, de quadrilha de roubo de cargas, de sicários de aluguel, de milícias e de todas facções criminosas, sapecando-lhe raivoso bafo no espinhaço. Lasquei-me! Seu furtivo passeio foi aplacado por um brutamontes que agarrou seus culhões com um berro: - Teje preso, linguarudo! Sentindo o aperto tentou escapulir, quando, por trás, um carro frio e grosso escorregou pelo rego da bunda enfiando-se no seu fiofó arregaçado: - Foge não, cabra! Lá foi ele pendurado para uma ordália formada pelos mais asquerosos algozes. Era ele agora alvo das atrocidades do terror, no centro dum holofote, no meio de um interrogatório tomado pelo fumaceiro das vozes, com inquirições sobre isso e aquilo, disso e daquilo, coisas que nem sabia ou se soubesse fazia que não: Deus me livre, sei disso não! Sabia e todos sabiam, mas ali subjugado, aos apertões e cascudos, espremido, afolozado, torturaram-no de todo jeito: deram-lhe beliscões, fizeram-lhe cócegas, sacudiram-no de cabeça pra baixo, envergaram-no, puxaram, espicharam, esticaram, arrancaram o restinho de cabelos, deram-lhe murros no espinhaço, quebraram o pau da sua venta, arrancaram-lhe os dentes e as unhas, furaram os olhos, amputaram as orelhas, abriram o buraco do umbigo, cortaram os pulsos, toraram os braços, enfiaram-lhe troços protuberantes, rasgaram-lhe o procto, caparam e findou cotó. Já imprestável, jogaram-no pela janela. Ufa! Estava por uma peínha de nada quando um siroco aziago varreu as coisas no seu desassossego. Até isso? Nessa hora vulnerou indefeso, inepto, aos calafrios, morrinhento e a vida encardida. Teve náuseas de sua desgraça e, no meio de sombras secretas, aprendia a viver com a frustração, conformado por não ter o que lhe faltava. Ainda teve tempo de tentar enfrentá-los, crédulo de vencer o impossível. Aviou-se e era segunda feira, às últimas horas do primeiro dia da semana – Ou segundo? Sei lá, pensou. Alta hora da noite ele se debatia em defesa de si e, quase refestelado, foi acometido por um soluço inarredável, transido de frio, agonizava de véspera sem morrer, ansiando pelo extraordinário. A noite havia desabado, mas sonâmbulo eidético estava livre de tudo. Aí arrastou-se até a esquina do quarteirão e olvidou o clique de um gatilho disparado com silenciador na nuca, a reduzi-lo a um grito ensurdecedor na calmaria da noite que ninguém ouviu – quem ouviu fez que não viu, é a vida. Assim foi, até mais ver.

 


Meg Cabot: Guarde suas rejeições para que, mais tarde, quando você é famoso, possa mostrá-las às pessoas e rir... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

Rosa Montero: Desconfia daqueles que têm mais respostas do que perguntas. Daqueles que te oferecem a salvação como quem oferece uma maçã. Nosso destino é um mistério, e talvez o sentido da vida não seja mais do que a busca desse sentido... Quero dizer que nunca ninguém ganhou uma luta defendendo-se. Para vencer, é preciso atacar... A vida é uma doença terrível que eventualmente mata todos nós... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

Hitomi Kanehara: Quando um peixe fica sem comida, ele tem uma de duas opções: escapar ou morrer... Veja mais aqui.

 

EU ESCREVO POESIA, SENHORES!

Imagem: Acervo ArtLAM.

Eu escrevo poesia, senhores, eu escrevo poesia, \ mas, por favor, não me chamem de poetisa; \ eu bebo meu vinho como os pedreiros fazem \ e tenho uma assistente que fala sozinha. \ Este mundo é um lugar estranho; \ coisas acontecem, senhores, que eu não revelo; \ eles constroem casas, por exemplo, mas nunca constroem casas \ para os pobres que não podem pagar por elas. \ E solteironas estão sempre brigando com seus cachorros, \ homens casados com suas amantes, \ mas ninguém diz nada aos tiranos brutais. \ E nós lemos sobre as mortes e viramos as páginas, \ e as pessoas nos odeiam e nós dizemos: é a vida, \ e eles pisam em nossos pescoços e nós não nos levantamos. \ Tudo isso acontece, senhores, e devo dizê-lo.

Poema da escritora espanhola Gloria Fuertes García (1917–1998), defendendo em sua obra a igualdade entre homens e mulheres, o pacifismo e a luta pelo meio ambiente: Tenho medo de acreditar que o amor é apenas um poema que inventei... Embora eu seja treinada e sempre ressuscite, decidi nunca mais morrer... Devemos nos esforçar para curar as sementes, enfaixar os corações e escrever o poema que irá infectar a todos nós...

 

EM NOME DA FAMÍLIA - [...] Nascimento, união, morte. Quanto mais ela pensa nisso, mais lhe parece que é só isso: uma roda girando sem parar, movendo-se tão rápido que às vezes nem se consegue distinguir os raios. É um milagre que ainda haja espaço para a poesia. [...] À medida que os últimos sinos se extinguem, uma série de gritos masculinos contorcidos surge de algum lugar próximo; uma cópula tardia entre os lençóis ou algumas facadas matinais na barriga? Ele sorri. Esses são os sons de sua amada cidade [...] É a doença da juventude confundir velocidade com estratégia. Cascalho misturado com mel: o tom perfeito para proferir mentiras e ultimatos. A pobreza não traz dignidade aos homens. Pelo contrário, incentiva a inveja e o crime. O rosto de um diplomata deve ser tão ilegível quanto sua mente. Reinos caem pelo luxo. Cidades ascendem pela virtude. Nenhum diplomata que se preze deve dizer tudo o que pensa. Apesar de toda a pompa e exagero sobre as maravilhas de Roma, foi Valência que fez de Rodrigo Bórgia o que ele é: um clérigo apaixonado por mulheres, riqueza, flor de laranjeira e o sabor das sardinhas. Sonhos são o que os homens usam para se confortar quando não conseguem o que querem. Suponho que os grandes homens da história viveram sem dormir. [...] Às vezes é útil temer demais alguma coisa, pois isso torna a coisa real bastante suportável. [...], Trechos extraídos da obra In the Name of the Family (Random House, 2018), da escritora, jornalista, radialista e crítica britânica Sarah Dunant, autora de obras como Blood & Beauty (2013), Sacred Hearts (2008), In the Company of the Courtesan (2006) e Mapping The Edge (1999), expressando-se que: Mas qualquer um que tenha sido tão jovem sabe que a grande tristeza do amor é que seu corpo sente mais quando ele sabe menos. Veja mais aqui.

 

VIOLÊNCIA DO TERRORISMO - [...] O termo terrorista é um clichê. Eu o chamo de violência. Não há diferença entre as várias formas de violência. Seja em nome da religião, de um partido político ou por amor, a violência é a mesma. Quando damos nomes diferentes para a violência, estamos legitimando sua existência. Eu associo grupos como o Talibã à ignorância, à violência e ao fechamento de portas para os outros. […] Considero-me mais um ser humano do que uma mulher. Devo isso ao meu pai. Ser religioso é algo pessoal. Não precisa ser no âmbito da política ou do poder. Critico o islamismo porque nasci nele; pude observá-lo mais de perto. [...] Na corrida rumo à modernidade, o mundo frequentemente ignora os valores da civilização. A televisão está nos ensinando a pensar de maneira muito clichê. A TV está tentando fazer do mundo uma única imagem/voz. Está tentando fazer de toda a humanidade uma única pessoa, perdendo assim o caráter de ser humano. [...]. Trechos da entrevista Por que eu crítico o Islã? A TV está tentando fazer do mundo uma única imagem (NewAgeIslam, 2009), concedida pela cineasta e roteirista iraniana Samira Makhmalbaf.

 

JORNADAS DE PASTORIL

[...] As políticas públicas, apesar dos avanços na sistematização de instrumentos adequados à promoção e proteção das manifestações artísticas populares, necessitam de aprofundamento nos níveis de acessibilidade, igualdade de possibilidades e processos formativos eficientes e suficientes, para atender aos objetivos de uma sociedade mais respeitosa, capaz de reconhecer-se na sua amplitude cultural. Um aspecto relevante para o fortalecimento das culturas brasileiras e a construção da cidadania, é a integração educação-cultura, a priori, indissociáveis. [...].

Trechos extraídos da obra Jornadas de pastoril (Fundaj/Massagana, 2012), da professora, pesquisadora e musicista Dinara Helena Pessoa, que desde a sua infância está ligada à cultura popular, manifestando-se que: Quando pequena, dancei mais de 50 vezes o pastoril... Deixei de ser brincante para ser uma entusiasta do folguedo.... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

&

VIVA PERNAMBUCO: PALMARES

A partir de 04 até 15 de agosto de 2025, acontecerá o projeto Viva Pernambuco: Patrimônio, Cultura e Memória, com a exposição Palmares, Terra de Cultura e de Grandeza. O evento ocorrerá das 8 às 17h, no Teatro Cinema Apolo, destacando o patrimônio histórico de casarões antigos, a estação ferroviária, além de personagens e instituições que marcaram a cultura local. O projeto é desenvolvido pelo Instituto dos Palmares, com o apoio cultural Redes dos Institutos Históricos de Pernambuco, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Ministério da Cultura e do Governo Federal, através do Instrumento nº 959776 da emenda parlamentar da senadora Teresa Leitão (PT). Veja mais aqui.

 

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segunda-feira, julho 28, 2025

CLARE LESLIE HALL, FRANTZ FANON, MARJORIE AGOSÍN & CABOCLINHO PERNAMBUCANO.

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Vermes (2016), Ano (2018), Fibs (2019), Solavancos por minuto: 18 estudos para Dodgems (2021) e Nuc (2023), da compositora escocesa Anna Meredith (Anna Howard Meredith).

 

Rapsódia pícara tirada dum livro... - Zé Bunito não nasceu: foi achado. Como assim? Toda vez que a viúva beata Zodófila atravessava a esquina da matriz, um papagaio gritava: É ela! E um guenzo seguia seus passos, depois outro, uma matilha de vira-latas perseguida por preás, caçotes, cassacos, marrecos, saguis, lagartixas, tatus, marrãs, borboletas, cabritos, novilhos, zig-zig, até um urubu-da-asa-quebrada e um casal de cascavel se engalfinhando. Diziam as más línguas: Ela tá no cio! Aquela viuvinha sem filhos, aos 22 anos, quando deu fé do falatório, virou-se pra enxotá-los e o espanto foi dela: um bebê engatinhava imundo balançando a torneirinha como se perguntasse: Por que parou? Ela: Xô pra lá! Vixi, sai-te! Foi tangendo a bicharada pra pegar o bebê nos braços e seguiu pra casa: Coisa mais linda, meu Deus! Deu-lhe banho, manha, nome e maternidade: Bonito! Catou os piolhos, tirou os grudes do couro, desencardiu sua pele, avivou seus faces, comprou roupas decentes prele mijá-las e ganhar a alcunha de menino mijão. Era o xodó da casa. Com o tempo o colocou em pé e botou a falar, escrever e se expressar. Deu trabalho e ela não escondia seu regozijo, a sua exacerbada afeição cegava-a de não ter noção do come-come devorando tudo, muito menos percebera que seu jardim se tornara um zoológico, com amontoada fauna, até curiosos. Mas nem ligou: ele era a menina dos seus olhos. O bruguelo tinha mania de falar com os bichos e plantas: Será lelé? Dele cuidou, dengou e, aos 10 anos, ele botou as manguinhas de fora juntando todo tipo de cacareco e agarrado num coco às umbigadas. O que é isso? Redobrou os cuidados e manhas. Aos 11 queimou o púbis esfregando-se no cano de escape do fusquinha. Menino! Aos 12 foi pego aos carinhos achegados numa cadela. Pelo amor de Deus! Aos 13 flagrado fungando o cangote da empregada-babá. Ao invés de puni-lo pelas presepadas inesgotáveis, preferiu despachar a serviçal pra nunca mais. Tome jeito! Relevava, só injuriada ao vê-lo na micção com toda marra pelos cantos da casa. Será que não aprende? Ruborizada sapecava: adolescente imprestável! Admoestações levaram-no pra cama dela, tomando jeito de gente. Tudo ia bem até ele cair num marasmo entediante de só sair dele ao se alvoroçar com presença da indomável Lampioa pelas redondezas. Endoidou o cabeção de quase morrer duma paixonite braba. Perdeu o sono, o apetite, quase o juízo de vez e arrumou as trouxas a ganhar o mundo no encalço da destemida. Diante dela declarou-se, tornou-se capacho e apanhava todo dia: canário do bom. Um dia lá, ela arretou-se, chamou na grande e deu-lhe um chute na bunda de deixá-lo troncho ao deus dará. E agora? Sem ter pra onde ir, deu-se a volta do filho pródigo e sem avisar. Todo empulhado foi recebido aos bregues detratores mais cabeludos, a maior catilinária: todos os seus podres passados a limpo e fedendo brabo. Mas a complacência materna conteve os arroubos passionais: estava comovida com os trapos dele. Aí, tudo se dissipou. Viu-se a salvo da situação. Isso até o momento em que bateram à porta. Era Lampioa: Cadê aquele cabra safado? Zodófila, benzódeus, teve um troço e caiu morta na hora. Resumo da ópera: nem a cangaceira brava, nem nada – a família da finada expulsou-o, pro olho da rua! Voltou pra orfandade, batendo cabeça, tombando na penúria. Reatou-se consigo e foi pro trampo, às próprias custas. Fazia disso e daquilo, para errar feio perante uma cigana glutona: Alto lá! Qual era? Faca de dois gumes. Acuado, rendeu-se. Ela sorriu toda solícita e aos agrados, dele mergulhar na proboscídea de quase perder o fôlego numa congestão. Empanturrou-se de ficar com o bucho estropiado. Segurava a barriga enquanto o anódino era ministrado. Nada de curar. Soltou um peido e saiu feito louco com o boga às labaredas. Escafedeu-se, até ver-se uma semana depois aliviando-se com os fundilhos chiando dentro da água, atolado num rio raso embaixo da ponte. Saiu lasso absolvido, só não previa um estampido: Ploft! Tudo de novo, foi a praga! Sufocado pela catinga: Quase me mata! Foi checar as fezes assassinas: eram pedras preciosas! Vixe! Conferiu aquela revelação: um golpe de sorte! Tô cagando ouro! Logo viu pérolas, diamantes, topázios, rubis, esmeraldas, todas vivas e se arrastando, fugiam dele. Oxe! Seguiu as pistas e deu num ninho delas: Tô rico! Nessa hora deu um vento demolidor e o diabo veio cobrar a conta: Como é que é? Ah, não. Usou da malandragem, cuspiu e se borrou todo. Deu azo, pintou e bordou de deixar o malquisto caduco depois da trapaça. Escapou carregando o quanto pode na fuga, não aguentou o peso dos brilhantes que incharam esmagando-o. Depois de muito se arrastar exaurido, já imaginava o seu sudário com os sonhos recorrentes. Delirava e encontrou Deus. No primeiro dia a zombaria da tabica: Vamos prestar contas? Ele pegou o beco pela direita e, no segundo dia, deu-se o reencontro com a enciclopédia de pecados – começando pela infâmia adolescente num rosário de sandices pecaminosas. Apontou prum lado e saiu pelo outro esgueirando-se na carreira. No terceiro dia: Adianta fugir não. Aí abriu-se um buraco no chão e socou-se dentro, saindo não se sabe onde. No quarto dia: Vai pra onde? De novo, peraí! No quinto: Quer me enrolar é? Eita, esqueci ali. No sexto: Vai tapiar com mais o quê? Vixe! No sétimo descansou, era o seu escarmento: perdia tudo, quebrando o que tocasse e se viu na pele do Akaki de Gógol e da filha de Hébuterne. Finou reduzido às páginas dum livro esquecido numa prateleira de biblioteca longínqua. Muitos anos depois, eis que um leitor apareceu para lê-lo, oportunamente escapuliu e foi reviver as coisas como estavam. Arrojou-se rastejante por tudo quanto era canto apurando o noticiário: guerras, assaltos, atropelamentos, afundaram um navio da Marinha, derrubaram um teco-teco da Aeronáutica, roubaram as armas dum batalhão do Exército. Êpa! Como é que é? Oxente. E antes de qualquer infortúnio imprevisível pra sua banda, logrou forjar a própria morte definitivamente, às páginas do livro, ao esquecimento e a murmurar: Vale a pena não: o mundo continua o mesmo de sempre, mudou nada. Até mais ver.

 

Ann Brashares: Para escrever uma história, eu acho que você realmente tem que se abrir para o mundo... Como escritor, você vive em tal isolamento. É difícil imaginar que seu livro tenha uma vida além de você... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

Isabel Allende: Você pode contar as verdades mais profundas com as mentiras da ficção... Escrever é como fazer amor. Não se preocupe com o orgasmo, concentre-se apenas no processo... Veja mais aqui, aqui & aqui.

Lolita Pille: A monstruosidade virou padrão de beleza... Veja mais aquí.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

ELA DESEJAVA SER UMA ILHA - Ansiava por ser uma ilha, \ Ela amava a loucura desenfreada deles, as ilhas, \ Ela ansiava por chegar a uma ilha que, talvez, não fosse uma ilha. \ Despoje-se dos amores ruinosos e pedregosos \ Ela desejava ser uma ilha \ Só habitar a cintura do mar \ E não sair ou voltar \ Para ser apenas uma ilha \ A Ilha da Noite \ A Ilha do Amingau \ Ilhas.

SETE PEDRAS - Hoje eu peguei \ Sete pedras \ assemelhar-se a aves e órfãos \ na areia morta. \ Eu olhei para eles \ Como se fossem ofertas \ de tempos incomuns, \ Como se fossem \ sete viajantes ameaçados de extinção. \ Como uma feiticeira, eu me aproximei \ e muito gentilmente \ Umedeça-os a umedeçam \ contra a minha bochecha. \ Eu queria \ Para ser sete pedras \ Dentro da minha pele, \ ser, por um instante, muito redondo e suave \ Então alguém me pegaria \ e fazer fendas nos meus lados \ com a voz úmida do vento. \ Eu queria \ Você para me pegar, \ para me beijar, \ Então eu poderia ser uma pedra de rio \ na sua boca do estuário. \ Eu guardo as sete pedras \ - No meu bolso. \ Eles fazem um monte \ em minha mão \ E em minhas histórias \de ausências, \ Um som de musgo.

Poemas da premiada escritora chilena Marjorie Agosín (1955- 2025), autora das obras Conchali (Senda Nueva de Edições, 1980), Brujas Y Algo Más: Bruxas e Outras Coisas (Latin American Literary Review Press, 1984), Violeta Parra: santa de pura greda: un estudio de su obra poética (Planeta, 1988), La Felicidad (Editorial Quarto Propio, 1991), Sargazo (White Pine Press, 1993), La Alfareras (Editorial Quarto Próprio, 1994), Tapeçarias de esperança, fios de amor (University of New Mexico Press, 1996), O Olhar de uma Mulher: Artistas Mulheres Latino-Americanas (White Pine Press, 1998), O alfabeto em minhas mãos: uma vida de escritor (Rutgers University Press, 2000), Sempre de outro lugar: memórias do meu pai judeu chileno (Feminist Press, 2000), Mulheres, gênero e direitos humanos: uma perspectiva global (Rutgers University Press, 2001), Segredos na Areia: As Jovens de Juárez (White Pine Press, 2006), La Luz del Deseo (Swan Isle Press, 2010) e  Eu vivi em Butterfly Hill (Simon & Schuster, 2014).

 

PAÍS QUEBRADO – [...] Esta é uma história de amor com muitos começos. Recuso-me a pensar em como ela vai terminar. [...] Sinto meu rosto corar de raiva. Dia após dia, os homens são admirados por suas proezas sexuais, pelas "conquistas" gravadas em suas cabeceiras de cama. Já as mulheres, que ousam fazer o mesmo, são ridicularizadas, e, na maioria das vezes, são outras mulheres que distribuem o escárnio. [...] Você tem que se enganar pensando que já é aquilo que quer se tornar. [...] Esta é uma história de amor e é, de longe, melhor do que qualquer uma que já sonhei. Se me permitem um desejo, apenas um, é este: desejo que a nossa história tenha um final feliz. [...]. Trechos da obra Broken Country (Simon & Schuster, 2025), da escritora e jornalista inglesa Clare Leslie Hall.

 

ESCRITOS POLÍTICOS - [...] O racismo é uma praga na humanidade [...] O racismo não é um todo, mas o elemento mais visível, o mais cotidiano, para dizer o mínimo, às vezes, o mais grosseiro de uma dada estrutura. [...] As classes e as castas, o campesinato, o patronato, a classe operária, rejeitam o fardo. Estas contradições, estas lutas, repercutem-se naturalmente no Parlamento. Não só há um conflito entre partidos, como a crise é tal, que todos os partidos estão divididos, cindidos em clãs, segundo os jogos de interesses. É daqui que nascem as crises ministeriais, a causa da instabilidade governamental. [...] Colocar-se-ão os mesmos problemas: um esforço de guerra cada vez maior; uma hemorragia financeira cada vez mais dramática; conflitos sociais mais agudos e, no exterior, um isolamento mais completo. [...]. Trechos da obra Escritos Políticos (Boitempo, 2021), do psiquiatra e filósofo antilhano Frantz Fanon (Frantz Omar Fanon – Ibrahim Frantz Fanon – 1925-1961), que na sua obra Pele negra, máscaras brancas (EdUFBA, 2008), ele expressou que: [...] O que isso significa para mim, senão um desalojamento, uma extirpação, uma hemorragia que coagulava sangue negro sobre todo o meu corpo? No entanto, eu não queria ser esta reconsideração, esta esquematização. Queria simplesmente ser um homem entre outros homens. Gostaria de ter chegado puro e jovem em um mundo nosso, ajudando a edificá-lo conjuntamente [...] Meu corpo era devolvido desancado, desconjuntado, demolido, todo enlutado, naquele dia branco de inverno. O preto é um animal, o preto é ruim, o preto é malvado, o preto é feio; olhe, um preto! Faz frio, o preto treme, o preto treme porque sente frio, o menino treme porque tem medo do preto, o preto treme de frio, um frio que morde os ossos, o menino bonito treme porque pensa que o preto treme de raiva, o menino branco se joga nos braços da mãe: mamãe, o preto vai me comer! [...]. Já no seu volume Écrits sur l’aliénation et la liberté (La Découverte, 2015), também expressa que: Falar uma língua é assumir um mundo, uma cultura... No Mundo pelo qual viajo, estou me criando infinitamente. Os oprimidos sempre acreditarão no pior sobre si mesmos. Quando nos revoltamos, não é por uma cultura específica. Nos revoltamos simplesmente porque, por muitas razões, não conseguimos mais respirar. Cada geração deve, a partir da relativa obscuridade, descobrir a sua missão, cumpri-la ou traí-la... A violência é o homem recriando a si mesmo... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

CABOCLINHO PERNAMBUCANO

O vídeo-documentário Caboclinho (Fundarpe/Iphan/Associação Respeita Januário, 2017), direção, roteiro, fotografia e edição Felipe Peres Calheiros, trata do registro audiovisual realizado entre 2011 e 2013, durante pesquisas de campo para a composição do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), retratando o universo da manifestação cultural que representada por meio da dança, música e religiosidade, a cultura indígena do Brasil. Originado a partir das reminiscências do Toré e da Jurema Sagrada, reelaboradas juntamente com outras influências culturais, reconhecido em 2016 como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Conta com depoimentos de Severino Amaro Gomes (presidente da Tribo Tupi Guarani), José Alfaiate (presidente do Caboclinhos 7 Flexas do Recife), Zuleide Alves da Silva (presidente do Caboclinhos Oxossi Pena Branca), Hilton Souza Falcão (vice-presidente do Caboclinhos Kapinawá) e Nelson Cândido Ferreira (presidente do Caboclinhos 7 Flexas de Goiana). Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

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segunda-feira, julho 21, 2025

IDA VITALE, ABNOUSSE SHALMANI, JOACINE KATAR MOREIRA & ANTONIO NÓBREGA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som de Disquiet (2005), Until I Become Human (2006), Hiraeth (2015), Something for the Dark (2016), The Blue Hour (2017), Embrace (2018), Forward Into Light (2020), Eye of Mnemosyne (2023) e Drink the Wild Ayre (2024), da compositora estadunidense Sarah Kirkland Snider.

 

Sabaribadô: prodígios de audacioso mitômano... – Sabe aquela mentira cabeluda? Tó Zeca insistia que era de linhagem aristocrática. Num brinca! Batia o pé. Prova? Timóteo não-sei-de-quê! Nem ele mesmo sabia pronunciar o nome completo. Mesmo? Lá pelos 17 anos de idade, sua querida vovó chamou num canto de alerta: Chegou a hora, seja homem! E deu-lhe um livro e um cajado. O que é isso? A macróbia pacientemente soletrou o nome dele, só entendeu o Timóteo, o resto: blábláblá. Leu e releu os sobrenomes aos tropeços da língua: Brunsich vun Brunn Munchausen. Do Barão? A provecta contou que o famoso barão ao enviuvar casou-se com uma jovem 50 anos mais nova. Ela se chamava Bernardine e era Frederiike e também Louise e, no meio desse matrimônio conturbado, nasceu Maria Wilhermina, que não teve por ele o reconhecimento da paternidade. Foram brigas num litígio de décadas pelos tribunais. No meio das arengas, a filha resolveu torrar a fortuna paterna em viagens pelo mundo e, ao passar pela costa brasileira, foi sequestrada por uma tuia de corsários ingleses, usada e abusada. Coitada. Foi salva por um parrudo quilombola fugitivo, com um providente nocaute dos branquelos, amasiando-se pruma prole dumas 30 filhas – o pintudo também era faminto, deu pra ver. Ela viveu mais de 200 anos, o que lhe deu tempo de escrever um livro sobre seu aprendizado com um cajado herdado da mãe e dado a ela pelo irreconhecível pai. Na verdade, ela é a sua hexavó que, por sucessivas Bernardinas, Louises, Fredericas e Wilherminas, como eu e sua mãe, desenharam a sua árvore genealógica. E minha mãe? Morreu do parto no seu nascimento. Ave! Findava com ela a odisseia e, de agora em vante, você é o único homem detentor dessa herança. Aí ele viu-se num delírio edificante: o cajado e o livro - Sabaribadô. Vôte! Significa o quê? Leia. A partir daí começaram as suas façanhas que foram muitas e que estão registradas nas páginas dum outro secreto volume ainda inédito e recôndito em lugar incerto e não sabido até agora. Ciente de ser o escolhido, aprontou-se para receber o seu chamado. Não tardou e providenciou alistamento no exército, para compor a tropa dos 25 mil soldados da Força Expedicionária Brasileira, contra o Eixo, durante a 2ª grande guerra, na Itália. Estava lá entre os combatentes na conquista de Monte Castelo, de lá foi todo ufano por ser o único sulamericano a caminho de Castel Nuovo e na ofensiva da Linha Gótica, ostentando a insígnia da Cobra Fumando. Foi durante os bombardeios que ele se deu conta de seus poderes transcendentais, fazendo jus ao epônimo e encarou: Quem mandou? Não bula com quem está quieto! Todo mundo em pé de guerra! Bastava dizer a palavra mágica: Sabaribadô! E avançava sobre o inimigo, acabando tudo em três tempos, salvando milhares e só lamentou não ter conseguido resgatar os 500 que morreram por lá. Era o começo dos seus feitos e retornou festejado pela bravura de pracinha e valentia de grande heroísmo. Foi daí que ele começou a bater dos calcanhares e sair voando; balançava os braços, levitava, qual beija-flor; estava calor, estalava os dedos e fazia chover; era cheio das mungangas e foco de risadagens: Esse cara é doido! Todo cheio dos pantins, uma vez mergulhou no rio e, dali a pouco, só se viu ele agarrado aos murros num tubarão, que ele prendeu duas tábuas amarradas com fiapos do bigode, pra servir de motor, enquanto surfava subindo as ondas do rio Una. Vixe! Quando não era isso era contando das aventuras intrépidas com parelhas feito Malasartes, Camonge e Cancão de Fogo, engrossando os versos do cordel duns tantos cantadores na maior farra. A conversa era muita e sua notabilidade usurpou estases e êxtases indiscriminados, aos apupos. Seus prodígios passaram aos do Cancioneiro da Vaticana, notadamente pelo fato de um dia lá agarrar uma traíra gigante e, de dentro dela, tirar Calibã que estava louco, para dar-lhe uma pisa bem dada. Muitas ele contava até o dia em que teve de provar pra si e pra não sei quem mais, ao que veio. Na verdade, era lua cheia e lá ia na sua fubica Brasinha – uma Brasília 71, incrementada de quase cair em bandas, quando ele que era o piloto de todas as manobras e circuitos, o astro de todas as plateias, quem já tinha enfrentado todo tipo de fera, besta, brutamontes, enamorado zis mocreias no xodó pelos fuás, deu de cara com a mais formosa entre as mulheres na beira da pista. Danou-se! Ao vê-la quase teve uma polução instantânea, a ponto de dar um cavalo-de-pau e parar rodando bem ao lado dela na janela do passageiro: Pronde a madame deseja ir? Ela apoiou os cotovelos cruzados sobre o vidro lateral, os peitões no decote à mostra, lambeu os beiços, piscou um olho e bafejou: Estava só esperando você chegar, bonitão! Oxe! Ele puxou bruto da maçaneta, abriu a porta emperrada, desceu, arrodeou o carro para agir como um cavalheiro de responsa: Madame dessa tem que ser tratada como rainha! Ela então pegou na beca dele e tascou-lhe um beijo afetado. Ih! Nem deu tempo de abrir a porta do automóvel, logo sacou na má fé da frochosa, ao oferecer-lhe uma maçã supostamente saborosa. Desconfiou, aguçou as ventas e atinou que estava embebida com atropina para zumbificá-lo e roubar sua memória. Deu ré de um salto e caiu em si: era Diabolina, a súcubos que destronou o capeta e era da pior qualidade: Al duwayce - com lâminas afiadas nos lábios vaginais, sabia?! Quer me capar, é? Viu-lhe a insígnia pendurada no bico de um dos seios dela: a orquídea cabeça do diabo. Deu outro passo tonto atrás, bateu as mãos para acessar as armas de Catarina de Bolonha e a armadura de Efésios, nada adiantou. Cascavilhou a salvação de Papini para abolir de vez aquele inferno e erradicar a diabologia de vez da face da Terra, não deu. Tentou exorcizar-se, nada. Então, ela armou-se pro bote com todas as pragas e flagelos multitudinários, aquela catinga de tiocetona subindo na poeirada, e ele no meio daquela fantosmia, chega a sua própria sombra acovardou-se e se escafedeu. Valha-me! Foi tomado por todos os temores pueris, mas segurou a bosta na tripa gaiteira, perscrutou, fungou, a vista turvou, titubeou, peidou-se todo, perdeu-se de si com aquele fedor nauseante: Será que virei aquele Inexistente Cavaleiro de Calvino: Cadê eu?!? Nem em sonho jamais vira tão infligido por tais circunstâncias. Buscou fôlego, tomou impulso, tombou no caqueado, buscou ideia e na hora deu peleja glosando motes prum desafio no martelo agalopado. Ela só lá, balançando o pé. Pegou versos no balaio do quengo e virou-se cabra macho feito o Riachão do Leandro Gomes de Barros, não arredou e chamou pra quebra-de-braço. Ela no bocejo. Foi quando deu fé que estava numa encruzilhada: Lasquei-me! Ô desconforto, logo numa hora dessas! E ela desatou-se em risadas estarrecedoras, rindo-se por mofa e invectivas. Teve de enfrentar as torpezas, o fogo dos vaticínios, os esgares, de deixá-lo cego, surdo, mudo, paralisado de tão perdido no meio duma comédia de Goldoni. Tôfu! Ficou entupido de raiva ao ser qualificado pícaro: Essa não! Ela sentou-se no capô do carro, abriu as pernas: Venha! Uma ventania puxou-lo de quase não se segurar em pé. E agora? Ele atinou: Vou pegar a camisinha! Ela deu uma estrondosa gargalhada. Aí ele provocou: Num vai dar nem uma chupadinha? E ela: Com todo prazeeeeeer! E abriu a bocarra traiçoeira. Foi aí que se deu ao veloz e danou o cajado na boca da danada: Sabaribadô! Aí ousou na sua pseudologia fantástica, deu-se um pipoco de quando a poeira baixou o canto mais limpo. A coisa sumiu de restar só uma bengalinha envergada quase sem préstimo. Hem, hem. Aí bateu nos peitos: a astuta foi engalobada pela esperteza do mancebo. Mas foi treta! Pense num trupé, dele chega ver o outro lado das coisas. Endoideceu? Para quem ganhava a vida entretendo o povo, tornou-se figura lendária – até se gabava: O que faz um batuta não é o que se diz dele, mas os seus feitos! Vivia sem perder de vista um pouco disso, outro daquilo, cobrando contas prometidas, nenhuma promessa cumprida, só às lorotas, libido e aporias. Vai lá que não tinha nada do Gatsby de Fitzgerald, nem do Iago de Otelo e discordava frontalmente do Littlefinger: o caos não era uma escada, mas um labirinto. Era tudo no verossímil, propendia neosofista e se identificava com Pinóquio embalado pela infância, às gaitadas! Estava mais para Próspero da Tempestade e, diante de sua avó quase morta pela terceira vez, mencionou: “Não fiz nada além de cuidar de você”. Quebrou o que restou do cajado e enterrou junto com o livro pra nunca mais. E aí? Com a definitiva morte de sua avó já contando o vigésimo velório dela ou por aí, danou-se pelas quebradas do mundo. Dizem que foi pras bandas Bodenwender, Rinteli, coisa assim pros lados da Alemanha, pra ver se ainda restava alguma vultosa herança. Afinal, uma cabra cabriolé comeu-lhe todos os documentos, não deixando a menor prova de que tenha existido. Taí. E qual é o fim da hestória? Ora, ora. Até mais ver.

 

Silvina Ocampo: Quando você escreve, tudo é possível, até o oposto do que você é... As casas sonham que são barcos à noite... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

Cassandra Clare: Escreva o que você ama - não se sinta pressionado a escrever prosa séria se o que você gosta é ser engraçado... Veja mais aqui & aqui.

Geraldine Brooks: Uma coisa que eu acredito completamente é que o coração humano continua sendo o coração humano, não importa como nossas circunstâncias materiais mudam à medida que nos movemos juntos através do tempo... Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

QUADRADO DA DISTÂNCIA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Não importa se você está \ no palco do verão, \ no centro de sua provocação. \ Longe de seus incêndios, \ você caminha sozinho \ entre estátuas nevadas, \ ao longo das pedras da \ Ponte Carlos, infinita. \ Você se vê caminhando, \ observando como o gelo se coagula \ em ilhas efêmeras, \ correndo rio abaixo, \ se juntando em um ponto \ distante \ — o quê aqui? — \ entre novas praias. \ O relâmpago é indizível. \ Retorna, pois, na direção oposta, \ recupera usos e costumes, \ mar, \ areia morta, \ esta claridade, \ enquanto podes. \ Mas preserva no teu sangue, \ como um peixe, \ o doce choque da distância.

Poema da poeta, tradutora, ensaísta, professora e crítica literária uruguaia Ida Vitale. Veja mais aqui.

 

A MULHER & A REPRESSÃO - Sou apenas uma mulher que passa a impressão de racista quando teme pelo futuro de outras mulheres... A mente aberta é apenas uma forma de lavar as mãos... Cada cultura tem sua própria prisão feminina... Pensamento da jornalista e escritora iraniana-francesa Abnousse Shalmani, que numa entrevista Estamos pagando por nossa covardia diante da retórica indutora de culpa e enganosa dos islamistas (Global Watch Analysis, 2024), ela expressou: [...] Algumas pessoas, muitas demais, na minha opinião, achavam que podíamos "negociar" com os obscurantistas, que um acordo era possível. Acordo nunca funciona com radicais, nunca! [...]. Ela é autora dos livros Laïcité, j’écris ton nom (Éditions de l’Observatoire, 2024) e Khomeini, Sade et moi (World Editions, 2016).

 

GAGUEJA AO FALAR, FIRME AO PENSAR... - Sou mulher, sou negra, venho de uma família com dificuldades econômicas e, como se não bastasse, ainda gaguejo impecavelmente... Trecho extraído da entrevista Eu gaguejo. Isso não me impede de rigorosamente nada (Diário de Notícias, 2019), da historiadora e ativista luso-guineense Joacine Katar Moreira (Joacine Elysees Katar Tavares Moreira), que foi eleita deputada ao parlamento português e, em 2020, passou à condição de deputada não-inscrita. Na entrevista citada ela ainda expressa que: [...] Quando eu nasci, os meus pais tinham 18/19 anos. A minha mãe estudava mas o meu pai já dava aulas, porque o Estado guineense exigia que os alunos que acabassem um determinado nível de ensino dessem aulas aos mais novos. A minha avó era uma mulher absolutamente feminista, embora ela não faça ideia disso. Era uma mulher independente, uma enfermeira respeitada, divorciada, que, mesmo sem ter altos recursos financeiros, educou os filhos dela, os filhos dos irmãos, os filhos dos filhos. Era muito organizada, obcecada com a higiene e muito amorosa. A minha avó nunca levantou a mão para dar uma palmada a ninguém, mas o olhar dela - nem era de austeridade, era um olhar de desilusão - era suficiente para nos dizer tudo. [...] Quando entrei para a universidade nem sabia que eram precisos 25 euros para fazer a inscrição. Cheguei ao ISCTE e não tinha o dinheiro, tive de telefonar a tios e amigos. Se eu nem sequer tinha 25 euros para a inscrição, como é que iria fazer para tirar o curso? Tinha de trabalhar. Eu autossustentava-me, nunca pedi nada aos meus pais. Pelo contrário. Sempre foi minha opção ajudar os meus pais e com os meus ordenados comprava bicicletas para os meus irmãos, levava-os a passear, a ver um filme, a ir almoçar fora - porque na minha infância eu nunca tinha ido almoçar num restaurante e achava que essa experiência era importante para eles, para não sentirem as ansiedades e as inseguranças provocadas pela segregação social, urbana, económica, arquitetónica. A ansiedade provocada por entrar num edifício enorme, moderno, espelhado, como se nós não estivéssemos no nosso espaço. Há uns anos isto inibia-me de entrar em determinados espaços. É a maneira como nos olham, mas também a maneira como nós nos sentimos, o nosso olhar sobre nós mesmos, a incorporação da discriminação. Não se fala muito disto, mas os centros comerciais foram importantes porque contribuíram para democratizar determinados espaços. E eu achava que os meus irmãos não tinham de atravessar aquele deserto enorme que eu atravessei. No último ano da universidade economizei dinheiro e fui para a Guiné, visitar a minha avó. Foi a primeira viagem que fiz. [...] A Europa debate-se com um problema enorme com os migrantes - que são refugiados, mas não são chamados assim porque isso iria exigir uma resposta das instituições. O que nós achamos é que a Europa só pode ser verdadeiramente democrática quando não excluir ninguém e quando quer o Parlamento Europeu quer os parlamentos nacionais forem um reflexo das nossas sociedades multiétnicas, multirreligiosas, multiculturais, com homens e mulheres, heterossexuais, homossexuais, etc. Não há homogeneidade. Para isso temos de resgatar os valores da Europa. Porque é nesses valores que vamos encontrar os instrumentos para combater as ideologias fascistas, ultraconservadoras, misóginas, sexistas, elitistas. [...] Sempre gaguejei e isso nunca me inibiu. Os meus pais e a minha avó relativizaram sempre muito a minha forma de falar, brincavam com a minha gaguez e sempre me fizeram sentir à vontade. Mesmo no colégio, eu era a apresentadora das festas de Natal e, em situações importantes, eu era a escolhida para ler em voz alta e para falar. Todos os meus castigos eram porque eu estava a falar de mais. Tudo isso alterou-se no 12.º ano com a ansiedade de entrar na universidade. Comecei a sentir nos ombros o enorme peso de ser alguém de uma família que não tinha recursos. Tomei consciência de que não estava numa posição favorável. E, além do mais, gaguejava. Sabia que tinha de enfrentar situações em que seria avaliada pelo meu aspeto, por aquilo que dizia, pela maneira como falava. Foi o início de uma inibição. Comecei a optar por ficar calada. [...]. Ela estreou como atriz no filme Mudança (2020), realizado pelo cineasta guineense Welket Bungué. Em maio de 2021, Joacine lançou o livro Matchundadi: Género, Performance e Violência Política na Guiné-Bissau (Documenta - Sistema Solar, 2020), que tem por base a sua tese de doutoramento e coloca a luz sobre a dominação dos conceitos tradicionais de masculinidade na vida política e social da Guiné-Bissau. Em 2023 ela recebeu Prémio Mulher Referência Chá de Beleza Afro (CBA), depois que foi vítima da mais violenta e mais vil campanha de ódio, racismo e xenofobia de que há memória na história da democracia portuguesa.

 

A ARTE DE ANTÔNIO NÓBREGA

Antonio Nóbrega em Paisagens (pós) Armoriais: Semeando, Fertilizando e Florescendo (Insular, 2019), livro de Luís Adriano Mendes Costa, sobre o Movimento Armorial do Nordeste, destacando o poeta, cantor, instrumentista, dançarino e multiartista Antonio Nóbrega. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

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segunda-feira, julho 14, 2025

SAMANTA SCHWEBLIN, NANCY FRASER, PAULA ESPAÑA & PINTANDO NAS PRAÇAS DE PERNAMBUCO

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som de Monte A (2006), Without Sinking (Touch, 2009), Leyfðu Ljósinu (Touch, 2012) e Saman (Touch, 2014), da musicista, violoncelista e compositira islandesa Hildur Guðnadóttir (Hildur Ingveldar Guðnadóttir).

 

O que de pai, amigos, vida, a mulher... - Zeladim sempre foi um cara de sorte! Desde a mais tenra idade brincava com fogo aprontando das suas, escapando dos flagras às sonsas escapulidas. Pudera, o pai era um tanto prestigiado, o que lhe valia alguns privilégios dos compadrios às regalias vantajosas. Isso sem contar a proteção dum amigo do peito à toda prova, que o acudia sem pestanejar! Eis que, no mais que de repente, o pai teve um piripaque e, vitimado por um sopapo cardíaco, bateu as botas. E mal caíra a ficha do luto, o inseparável amigo se esborrachou todo numa barruada feia no trânsito. Danou-se tudo agora! Foi então que viu a sua estrela na testa escorregando e amoitando-se noutro lugar pouco recomendável. E agora? Lá ia ele triste, chutando lata, mãos nos bolsos, sem perspectiva. Dava de bico do pé na vida ingrata quando, aos pontapés nas tranqueiras espalhadas pelo chão, um bregueço saiu colorindo no meio duma fumaça azulada que o envolveu todo. Vixe! Arregalou os olhos e se viu diante de um gênio holográfico apressado e pronto pra atender seus 3 pedidos. Hem? Bora, logo! O quê? Vai, pede logo. E nessa lengalenga recusou todos: Quero tudo! Como? Tuuuuudo! O djinn cerrou o cenho, fechou a cara, esbravejou, olhou dos lados, coçou o cocuruto e teve uma ideia: Toma! Entregou-lhe então um estojo empoeirado, parecia coisa do arco da velha. Isso é tudo? Toma, porra! Recuou: Que droga é 9? Pegue! Ah, não! Aí o abantesma explicou: Vai, pega logo: é como se fosse um cachorro portátil. Cachorro? Ué, não é o melhor amigo do homem e, ainda por cima, esse não late, não lambe, não balança o rabo e é a última tecnologia inventada, é só controlar qualquer função, um dispositivo de operação à distância, dê graças ao Nikola Tesla. Oxe, cadê! Ah, tenho mais o que fazer! E num estalo de dedos foi-se deixando-o desesperado. Aí Zeladim segurou as pontas, conteve-se e ficou conferindo direitinho: era um troço imprestável, cheio duns pitocos embutidos. Isso é uma porqueira! Apertou, experimentou, fincou o dedo no negócio e, do nada, apareceu uma tevê gigante! Tudo pelo telecomando! Hummmm... Foi gostando: tinha tudo que quisesse, bastava apertar e escolher. Mesmo? Fez o teste e saiu encarcando o polegar no brebote, metendo o dedo pra cima e as coisas aparecendo e logo se transformavam ao seu redor: comida pra encher a pança, bebida pra molhar o bico, até um foguetáxi pra ir pronde quisesse. Foi gostando: Eita! Num sou Aladim, mas tenho a verdadeira lâmpada maravilhosa! Foi pressionando ali, clicando acolá, viu-se detentor de poderes ilimitados: Vou ser o rei de Magreb. E diante de si todo tipo de cacarecos, bagulhos, bugingangas, trecos, joças, tudo ali ao dispor. Pense num cara espaventoso! Aí viu passar na tela a sua Galateia virtual. É ela! Voltou as imagens, deu pausa, enquadrou, ampliou a imagem da face, depois o corpo inteiro. Hummm... Ah, precisa duma turbinada! E caprichou no engenho: os olhos safados, a cútis de cetim, a boca de grandes lábios, o decote da vizinha – que glamourosos par de seios no decote, meu! -, os quadris da professora – que arte esteatopígica! -, as coxas colossais, o molejo das modelos na passarela. Depois de todo ajeitado, ele chamou na grande: Venha, minha escrava, dá aqui pro papai, vai! Ela saltou fora da tela e ali, diante dele, ao vivo e em cores, fitou com desdém e já ia se virando: Esse seu trono aí é muito frágil pra rainha aqui, viu? Ué, mas fui eu quem inventou você. Hem? Ela com uma olhadela desconfiada já ia saindo, deu-lhe as costas e seguiu, nem aí. Ele não caiu na real e nem deu tempo encará-la direito. Ei! Ei! Eiiiiii! Ela dobrou a esquina e já era. Cadê-la? Solitário resmungava: Logo hoje, merecia meu presente! Moral da história: o melhor do dia do homem é saber que todo dia é dia da mulher. Até mais ver.

 

Octavia Butler: Há um tempo para o silêncio. Um tempo para deixar ir e permitir que as pessoas se lancem em seu próprio destino. E um tempo para se preparar para juntar os cacos quando tudo acabar... Veja mais aqui & aqui.

Espido Freire: Numa época como a atual, em que nossos olhos mal pousam em um tema antes de saltar para outro, mais escandaloso, mais impactante, os livros precisam recuperar seu ritmo lento, a necessidade de transcendência essencial à reflexão e ao aprendizado para dar um mínimo de sentido à sociedade moderna... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

Deborah Colker: Saber gritar e calar, agir e esperar, lutar e aceitar. Superação é inteligência, apropriação, conhecimento, disciplina. Superar é curar!... Veja mais aqui & aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

DESERTO - A paisagem ondulante e antiga, as falhas da terra \ e a história de um mundo entrou em colapso. \ Nunca houve ninguém aqui, por isso não há tragédia nas tuas palavras. \ É por isso que o vento cai. \ no rachinho da sua voz. \ Animais mal desenfreados voam \ com asas de morcego no barro e na rocha. \ Tudo isso não era nada. \ E nada era tudo: cordilheiras, geleiras, fundo de água \ petrificado com o sol. Perseguição da morte \ A vida e vice-versa. Falamos sobre essas coisas e outras \ na intimidade do carro, tão longe da sua boca \ - Há o meu. \ Onde havia amor antes.

POEMA 16 - Na selva, naquela noite \ Ele tomou o suco de uma planta \ mais amargo que vinho e concentrado \ Como medicamento ou veneno \ E depois de beber, eu sabia\ Que fui eu que escalou diante dos meus olhos \ Enquanto outros cantavam \ Era eu. \ Aquele que subiu como um emaranhado \ Pelo tronco de uma árvore \ E fui eu que descia mais tarde. \ E depois subi. \ todos os tempos necessários, isto é, \ Durante o tempo total da minha vida. \ É difícil dizer-lhes. \ O esforço com que abraçou essa crosta \ Colocando as unhas que a esmagaram. \ Minhas garras eram fortes como os gatos. \ Mas quando eu caí eu me tornei luz, e eu reformulei \ Sedoso, no chão. \ Era o início da manhã. \ Quando essa bebida deu o seu efeito \ E eu adormeci. \ Por muitos dias \ As imagens daquela noite \ Eles são deixados no meu coração. \ Eles fizeram isso doce como as pérolas \ que brotam no ramo e se desfazem \ Na boca sagrada da vida \ Depois de cada inverno.

Poemas da escritora, periodista e psicóloga argentina Paula Jiménez España, autora de obras como Ser feliz en Baltimore (2001), Formas, libro y cd (2002), La casa en la avenida (2004), La mala vida (2007), Ni jota (2008), Espacios Naturales (2009) La vuelta (2013) y la plaquete Las cosechadoras de flores (2014), além de Pollera pantalón / Cuentos de género (2012), Aventuras de Eva en el planeta (2005) e La calle de las alegrías (2006), entre outros. No livro La suerte (Caleta Olivia, 2021), ela expressa que: […] Se considerarmos a afinidade entre dissidência e esoterismo, acredito que deste lado, do lado da magia e da poesia, continuamos sendo aqueles que cultivaram uma sensibilidade mais refinada, nascida da experiência da exclusão e da vulnerabilidade. A resistência nos lançou ao deslumbramento. [...]. Trata-se de um livro de revelações com quatorze cartas em que cada poema abraçando o mistério e se tornando oracular, trabalhando com a palavra poética e a memória poética, acrescentando que: [...] Minha obra é caminhar, e eu obedeço, e quem lê sente a própria qualidade da volta do destino e do tempo simultâneo com suas derivas circulares, o alto que é baixo, o dentro que é fora, o passado que é presente e futuro. Sou eu quem lê ou quem é lido? [...].

 

O BEM & O MAL – [...] A loucura assusta você, distrai você, mas é preciso encará-la com cuidado. [...]. Trecho extraído da obra El buen mal (Randon House, 2025), da premiada escritora argentina Samanta Schweblin, que no seu livro Kentukis (Fósforo, 2021) ela expressa que: [...] A inartista. Ninguém, para ninguém, e nunca nada. A resistência a qualquer tipo de concretude. Seu corpo se interpunha entre as coisas, protegendo-a do risco de jamais alcançar qualquer coisa. [...] Regulamentação não tem nada a ver com estabelecer padrões; significa estabelecer regras que funcionem em favor de alguns. [...]. Na sua publicação Fever Dream (Riverhead, 2017) ela expressou: [...] Às vezes, eu me assentei a pensar que os problemas de todos os dias podem ser para mim um pouco mais terrível do que para o resto da gente [...] Há um limite para a quantidade de buscas que você pode fazer. Ou um cavalo está lá ou não. [...]. Veja mais aqui & aqui.

 

CAPITALISMO CANIBAL – [...] Um sistema econômico definido pela propriedade privada, a acumulação de valor “auto” expansivo, a alocação de mercado do excedente social e dos principais insumos para a produção de mercadorias, incluindo trabalho (duplamente) gratuito, é possibilitado por quatro condições de fundo cruciais, relacionadas, respectivamente, à reprodução social, à ecologia da Terra, ao poder político e às infusões contínuas de riqueza expropriada de povos racializados. [...] Ambos os "ex" contribuem para a acumulação, mas o fazem de maneiras diferentes. A exploração transfere valor ao capital sob o disfarce de uma livre troca contratual: em troca do uso de sua força de trabalho, os trabalhadores recebem salários que (supostamente) cobrem seus custos de vida; enquanto o capital se apropria de seu "tempo de trabalho excedente", ele (supostamente) paga pelo menos por seu "tempo de trabalho necessário". Na expropriação, por outro lado, os capitalistas dispensam todas essas sutilezas em favor do confisco bruto dos bens alheios, pelos quais pagam pouco ou nada; ao canalizar mão de obra, terras, minerais e/ou energia confiscados para as operações de suas empresas, reduzem seus custos de produção e aumentam seus lucros. Assim, longe de se excluírem, expropriação e exploração trabalham juntas. Trabalhadores assalariados duplamente livres transformam "matérias-primas" saqueadas em máquinas movidas a fontes de energia confiscadas. Seus salários são mantidos baixos pela disponibilidade de alimentos cultivados em terras roubadas por peões endividados e de bens de consumo produzidos em oficinas clandestinas por "outros" não livres ou dependentes, cujos próprios custos de reprodução não são totalmente remunerados. A expropriação, portanto, fundamenta a exploração e a torna lucrativa. Longe de se limitar aos primórdios do sistema, é uma característica inerente à sociedade capitalista, tão constitutiva e estruturalmente fundamentada quanto a exploração. [...]. Trechos estraídos da obra Cannibal Capitalism: How our System is Devouring Democracy, Care, and the Planet—and What We Can Do About It (Verso Books, 2022), da filósofa estadunidense Nancy Fraser, que no seu livro Feminism for the 99% (Verso, 2019), ela expressa que: […] Um feminismo verdadeiramente antirracista e anti-imperialista também deve ser anticapitalista. [...] A aliança do patriarcado e do capitalismo que quer que sejamos obedientes, submissos e quietos. [...]. Já no livro Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica (Ciências Sociales, 2019), ela comenta que: […] Se quisermos compreender a relativa ausência de crítica ao capitalismo nos últimos anos, devemos também considerar a ascensão espetacular do pensamento pós-estruturalista no final do século XX. Pelo menos no meio acadêmico americano, o pós-estruturalismo tornou-se a "oposição oficial" à filosofia moral e política liberal. E, no entanto, apesar de suas diferenças, esses oponentes manifestos compartilhavam algo fundamental: tanto o liberalismo quanto o pós-estruturalismo eram formas de escapar do problema da economia política e da própria economia social. Foi uma convergência de força extraordinária: um golpe, se preferir. [...]. Por fim, no seu livro The Old is Dying and the New Cannot Be Born: From Progressive Neoliberalism to Trump and Beyond (Verso, 2019), ela conclui que: […] O velho está morrendo e o novo não pode nascer; neste interregno uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

 

PINTANDO NAS PRAÇAS DE PERNAMBUCO

No próximo dia 16 de julho, a partir das 19h, na Biblioteca Fenelon Barreto – Palmares (PE), ocorrerá o lançamento do catálogo Pintando nas praças de Pernambuco, promovido pelo Instituto de Belas Artes Vale do Una (IbaValeUna), coroando a iniciativa do poeta e pintor Paulo Profeta. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

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GLORIA FUERTES, SARAH DUNANT, SAMIRA MAKHMALBAF & JORNADAS DE PASTORIL

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som do álbum Lady on a Bike (Nonesuch Records Inc, 2025), da dupla pop cinematográfico eletrônico Ringdown ...